quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Sobre o infinito e a saudade

E quando a rotina a pegava e os pensamentos da monotonia do dia-a-dia insistiam demais, ela saía. Quer dizer, ela ficava parada, no mesmo lugar – e ninguém que a visse diria que ela não estava mais lá. A verdade é que sua alma estava distante dali, em um lugar que só por pensamento se atinge. Um mundo em que ela, aqui tão presa ao chão, voava com a liberdade dos pássaros. E ali só se ousava pensar em algo novo, longe do cotidiano. Dessa vez ocorreu-lhe pensar no infinito – e a mulher tentou imagina-lo. Ah, impossível caber o infinito em sua imaginação de limitação humana. Mais difícil ainda seria não imaginar o infinito – pois o que viria depois do último espaço escuro? O nada? Então o nada se transformava automaticamente em algo interminável, e então o infinito. Isso já começava a irritá-la, não poder ir além do que cabe em nossa mente. Ela tinha era essa necessidade grande de poder compreender o infinito, jamais descansaria sem entender. Pensou então no que poderia preencher o infinito e então aproxima-la de algum entendimento – mas não, não havia obra feita pelo homem, nem mesmo as mais grandiosas, que pudesse espalhar-se pelo infinito inteiro. É que o infinito é abstrato demais, e tudo que é humano é de certa forma concreto – o infinito não tem forma nem dimensão, é assim como a matéria amorfa, mas que não cresce e nem diminui, pois não tem tamanho ou volume mensurável. A mulher resolve então procurar também em seu ser algo assim abstrato, que dispense muita explicação. Depois de muito mergulhar em si mesma e tatear algo ali que encaixasse em tal necessidade, a mulher descobre a saudade. E traz à tona a saudade que estava antes escondida, ignorada – e começa a sentir. Ah sim, agora entendia o infinito – pois só sua saudade era capaz de preenchê-lo. Sentia o infinito, tão grande, dentro de seu corpo, tão pequeno. E então foi como se dentro dela coubessem oceanos e chuvas incessantes, e nada disso fosse sequer preencher o que ela sentia. Pois a saudade, agora só que ela percebia, não preenchia seu infinito, negando o que ela pensara. A saudade era em si a medida do infinito, o infinito vazio – e esse só a presença DELE comida e engolida seria capaz de preencher.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Fênix

Você deveria mesmo ler isso. E não tem a ver com explicações ou tentativas de explicações – é sobre verdade. Nós podemos fugir da verdade, manipular a verdade e continuar assim durante muito tempo, olhando apenas o lado que nos convém. E nesse tempo eu posso me convencer de que as coisas estão indo bem, de que é o caminho, a pessoa e o lugar certo finalmente, e eu poderia até gritar que tudo anda bem, que é o que eu quero. Mas é justamente esse tempo que não será suficiente, é esse tempo que vai ficar sempre esvaziando todo significado. Então é por isso que agora eu vou olhar para a verdade e encara-la face a face com toda a coragem que eu juntei. E não importa que eu ainda tenha medo. Eu estou cansado de não ter você por perto, de achar que alguma vez houve mesmo uma ligação. Não sei se perdemos isso no meio do caminho, ou se nunca tivemos. Mas o fato é que não há mais reciprocidade, não há mais troca. Não se pode prender a água entre os dedos por muito tempo, uma hora a vida seca. Eu estou extremamente cansado de ter que te ver, te ouvir, ou fingir que você se importa como eu gostaria para poder me sentir em paz e então enxergar sempre em você aquilo que eu quero, mas que você não é. Como eu cheguei tão longe? Quero dizer, como deixei isso ficar assim tão grande, tão complexo? E eu não posso precisar tanto assim, eu não posso me deixar perder tanto para me agarrar a mínima possibilidade de talvez encontrar você, ou de encontrar aquilo que eu queria tanto ver em você. O engraçado é que é só agora que a mágica acabou que eu consigo enxergar claramente, sem aquela névoa tampando todo o meu senso de certo e errado, e respirar de novo. Tanto tempo me gastando em perguntas que eu não precisava responder, tanto tempo esperando que você me levasse para casa que eu até esqueci o que isso era, estar em casa. Tanto tempo, e tanta coisa que se quebrou. Eu fiquei e estive dopado com a sua presença e com tudo em volta, como uma pessoa que vê pela primeira vez a cidade grande e se apaixona pelas luzes. Mas eu consumi cada pedaço disso, e esse sentimento não foi alimentado o suficiente, e agora acabou. Acabou, e que alívio em dizer isso. Mas também que aperto, e que dor. Dói porque eu apostei minhas fichas e perdi, eu errei. É, eu errei, mas é trabalhoso cavar um caminho de volta – quem sabe o problema seja esse, não há caminho ‘de volta’, é necessário simplesmente seguir em frente. Eu combinei a realidade com aquilo que eu construía na minha cabeça, e criei a minha pseudo-realidade que era meu abrigo mas também meu algoz. Só que agora esse mundo desabou, e eu só tenho o mundo real para me apegar, para viver – então eu vou aceita-lo, e aprender a gostar disso, de uma vez por todas poder dizer a verdade sem peso, sem esse peso enorme, não importa o quanto isso doa, ou o quanto eu tenha que abandonar das minhas meias-verdades que me sustentavam. Por mais que ainda sempre sobrem restos do que foi, a questão é que eu estou disposto a preencher de novo esse espaço branco e enorme que eu apaguei. É isso, é o fim dessa história de nós dois que só eu conheço. Eu criei a pessoa que eu inconsequentemente vi em você, e precisei dela assim como em uma fome. E senti falta dessa pessoa como o deserto sente falta da água – e por Deus, como eu queria ter você por perto. E quando eu percebi que essa pessoa nunca foi real, eu perdi todo o chão, fiquei sem ar e perdido no labirinto que eu construí. Foi como aquela semente tão cuidada mas que simplesmente não brotou, e agora é cinza, morta. E foi tudo tão, tão cinza. Mas então eu sobrevivi. Eu não quero encontrar em outra pessoa o que você significou, mas quero enxergar em mim, e me ser suficiente. Ser minha própria chuva, e ter a grandeza de um oceano. Talvez eu precise mesmo é de uma noite bem dormida, de uma rocha forte pra construir minha cabana e me abrigar da chuva. E lá eu estaria protegido, e mandaria no que eu sinto – mas ninguém tem tanta sorte assim... quer dizer, no fundo não temos mesmo o poder de escolher o que vamos sentir. Mas temos a escolha de não aceitar, de lutar, e de deixar nascer algo novo das cinzas do que sobraram, assim como uma fênix. Deixar o tempo passar, e tentar aprender alguma coisa nessa passagem. Eu falo tanto em movimento, então melhor deixar que venha a mudança – você já foi pra mim a mudança, mas agora você é o que eu estou deixando o tempo levar. Acho que está em tempo de parar de lutar essa batalha que eu sei já estar perdida, hastear a bandeira branca e recuar, descansar um pouco. Estou fazendo uma escolha bem agora, a de acreditar em reinvenção, em reconstrução, e não procurar mais sempre algo para perder, simplesmente ir. Deixar que o passado durma. Eu só queria dizer que agora, você poderia ir embora.

domingo, 16 de novembro de 2008

Bóulesis

Em 1990 estreou a peça 'Six Degrees of Separation', de John Guare. A história baseia-se na teoria de que, se tivéssemos todas as pessoas que conhecemos a um passo de nós, e essas por sua vez tivessem todas as pessoas que conhecem a um passo delas, todas as pessoas do mundo estariam ligadas a uma distância média de seis passos. Seis bilhões de pessoas, e apenas seis pessoas nos separando de cada uma delas. Podemos acreditar ou não que de fato as coisas sejam assim. Mas, quando acreditamos, de algum jeito começamos a nos sentir mais parte de tudo isso e então o mundo não parece mais tão grande assim. Nos sentimos próximos, e essa sensação é reconfortante – pensar que no final das contas não estamos tão sozinhos.
Ainda na peça, a personagem Ouisa Kitrreged diz, a respeito da teoria: “Eu li em algum lugar que todo mundo neste planeta é separado por só seis outras pessoas. Seis graus de separação entre nós e todas as pessoas no planeta. O Presidente dos Estados Unidos, um gondolier em Veneza, apenas descubra as seis pessoas. Eu achei extremamente bom que estejamos tão pertos. Mas isso também me parece um pouco com tortura chinesa – estarmos tão pertos porque temos que achar as seis pessoas certas para fazer a conexão certa... Eu estou ligado, você está ligado a todo mundo por um caminho de seis pessoas”. Quantas conexões certas nós já não deixamos passar? Como saber quais são essas seis pessoas que nos ligarão à pessoa certa? O único jeito é arriscar, conhecer pessoas – e talvez, apenas talvez, acreditar que há alguma coisa por trás de tantas coincidências e azares alheios, aparentemente desconexos. A psicologia moderna diz que, no mundo, várias pessoas têm a capacidade de nos fazer felizes, completos – VÁRIAS pessoas. Mas ainda há aqueles que insistem em acreditar na pessoa certa – quem sabe para esses haja mesmo essa pessoa pela qual vale a pena esperar.
‘Destino’ é outra coisa na qual podemos acreditar ou não. Os gregos acreditavam na existência de um Livro do Destino, que existia desde sempre e que determinava o sim ou não de tudo. Os deuses poderiam consultá-lo, e cabia às Três Parcas executar o que nele estava escrito. Para os gregos ‘moira’, para os romanos ‘fatum’, o destino sempre era visto como pré-determinação implacável. Mas estes mesmos gregos também acreditavam no bóulesis, “desejo” – e quem sabe este seja capaz de fazer com que tomemos nosso destino em nossas próprias mãos.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008





Às vezes sinto como se estivéssemos todos seguindo a nossa estrada de tijolos amarelos para, no final, descobrirmos que o fabuloso mágico não passava de um velhinho impostor e que as respostas que procurávamos estavam o tempo todo dormindo dentro de nós mesmos. E quem sabe de fato elas estejam – quem sabe precisemos apenas de um coração de pano para voltarmos a ter sentimentos, assim como o homem-de-lata, ou bebermos uma mistura esquisita para acreditarmos termos coragem, como o Leão Covarde.

Mas, se é desse jeito – se as respostas estão todas dentro de nós mesmos – para que procurar e se arriscar tanto? Para que passar por tudo isso? E se estamos como Dorothy, perdidos em uma terra distante, longe de casa? Mas foi essa mesma Dorothy que, quando a Fada Boa do Sul disse “Você não precisava ter passado por nada disso. O que você precisava para voltar para casa estava o tempo todo com você: os seus sapatinhos prateados – eles são mágicos”, respondeu “Mas se eu não tivesse passado por isso eu nunca teria conhecido o espantalho, o homem-de-lata e o leão”. Sempre vale a pena.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O que é perfeito já é morto

Nossa condição humana implica em todas essas coisas turvas e incorretas que fazemos. Tentar encaixar-se no rígido conceito da perfeição moralista seria desperdiçar uma vida. Condenar o errado seria condenar nosso espírito. Mas o errado sempre me atraiu mesmo – não gosto do imaculado, do sadio, mas sim das coisas incertas, até pecaminosas. Gosto do imperfeito e do não-acabado, gosto daquilo que permite a capacidade de evolução, de ser melhor. Na perfeição não há busca por melhorias, ela é estática – e eu sempre repugnei essa estagnação, gosto é do dinâmico, preciso de movimento. Gosto da incerteza, daquele que ainda incessantemente se molda e se constrói, que por vezes erra e por vezes acerta. Essa imprevisão do imperfeito (irá dar certo ou não?) me seduz. Não quero o que já é escrito e feito – quero é aquilo que ainda se escreve, que ainda se permite. E essa reconstrução, esse cair e se levantar, é o combustível para a vida, é o que a impulsiona. O que é perfeito já é morto. O impecável mataria todo o nosso lado humano, nos igualaria às máquinas, mortas. O errado é infinitamente bom, porque é humano.

terça-feira, 4 de novembro de 2008




Não há mudança sem ousadia. E não se trata daquela ousadia brilhante, vistosa - mas daquela tímida ousadia, até insegura, de se atirar ao novo, de se entregar ao desconhecido. A mesma ousadia infantil que tínhamos, quando crianças, quando nos cansávamos de engatinhar e arricávamos os primeiros passos hesitantes. Mas ousávamos - e ousávamos também quando ainda pequenos fechávamos os olhos e pulávamos de um lugar alto, confiantes pois sabíamos ter os braços de nosso pai prontos para nos pegar. É assim que vínhamos treinando para a vida, e agora começamos o jogo. Nos deram tantos conselhos e avisos, mas nunca nos avisaram que seria tão complicado andar pelas próprias pernas, talvez até porque sabiam que, se soubéssemos, havia possibilidade de que desistíssemos, e isso sim seria uma tragédia. É tão perigosa essa liberdade que eu sempre quis. Poderíamos ficar o tempo todo na segurança de nossas casas, mas ainda assim preferimos brincar muito perto do abismo porque é mais excitante - e é só quando caímos no escuro gigante desse abismo que descobrimos sermos seres alados.

Nós sentimos demais – e quem sabe seja essa mesma a sina dos tempos modernos, a Era da Depressão. Mas às vezes surge uma dúvida: Será que toda essa complexidade emocional não é uma casca, uma rédea que tentamos insistentemente colocar na criatura selvagem que habita em nós? Talvez tenhamos simplesmente que aceitar esse espírito primitivo – muito mais antigo que nossa organização -, esse instinto latente, e não tentar racionalizá-lo ou entendê-lo. E, a partir dessa aceitação, veríamos com olhos mais tolerantes e menos preconceituosos o nosso lado horrível e também o nosso lado ótimo – e aprenderíamos a nos amar como ser inteiro, humano.

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