segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Um ano de sumpaulo

É preciso que ela compre roupas novas, ou encontre novas ausências para justificar seu medo. É preciso que ele destranque o banheiro, que ele arrume um espelho, que ele morra de prazer. É preciso que ela pare de dar nome às coisas, de andar só no preto. Já era madrugada quando ela vomitou fogos de artifício, mas não soube dizer o que sentia. Ele liga pra não dizer nada, fica mudo, indiscretamente mudo, e ela sempre atende o telefone. “É tão cedo para arrumar as malas”. Pois não sabe nada, NADA da vida! Deitou no capô para mendigar estrelas – seus olhos estavam abertos ou fechados? Pensou em que pílula escolheria se sonhasse com Morfeu de novo. Choveu e os dois desejaram que a sede que tanto sentiam fosse da água que não parava de cair do céu. Ela colocou a língua para fora e não sentiu nada. Ele, debaixo da terra  voltando pra casa, achou que já nem chovesse mais. Sempre com medo de entender o que é deus, ela ficou constrangida ao pensar na morte. Se seus gatos não morressem nunca, estaria sempre bem. Mas ontem mesmo o mais branquinho de todos ficou com o pelo todo sujo de sujeira do asfalto e de sangue quando ele morreu. De dia ninguém nem notou o cadaverzinho na sarjeta, mas a noite o movimento baixou - e aqui a noite é mais clara que o dia - e então ela mesma encontrou ele retorcido na vala da rua onde morava. Fazia compras a noite para evitar a multidão de pessoas que preferem o dia, e só por isso encontrou o filhote ainda inteirinho. É que em uma cidade com tantas luzes que vem de tantas direções, ninguém tem sombra. Se ninguém tem sombra ninguém tem culpa; tão claro como se fosse tudo escuro.


É, pensando bem, ela mesma também só poderia estar ali, ali ou em uma caverna. Purificou-se, afinal de contas quem tinha culpa mesmo era seu instinto e essa mania de sobreviver pra morrer sempre um pouco mais tarde.

Seguidores