sábado, 4 de abril de 2009

Ela nunca o quis dela

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Ela não o queria dela. Queria apenas acompanhar a respiração dele, e saber o que o silêncio diria naquele momento. Queria saber dele nada mais que o nome, ou nem isso, e enxergar nos olhos dele o que se fazia necessário saber. Queria ouvir os pensamentos dele, e senti-lo como o vento que invadia pela janela aberta e batia forte em sua cara. Queria sentir sua pele arder de contato, queria senti-lo junto, no mesmo ritmo. Queria seus corpos fundidos, um só, fundindo assim também suas dores e êxtases. Queria senti-lo forte, bem forte. Queria ela e ele assim desconhecidos. Ela não o queria dela.
E sabia que sua casa já estava perto, e ele a deixaria lá despedindo-se apenas e sem jamais imaginar o que se passava em sua cabeça de menina. Sentiu então uma vontade enorme de dizer que ela não o queria dele – mas ele provavelmente nunca viria a saber sequer que ela o queria junto.
E foi justo com ele, que ela conhecera há alguns minutos e só – foi justo com ele que aconteceu essa coisa estranha que lhe pulsava por dentro. Ela tinha a confiança de quem gosta por assim sentir, e não por ter um motivo – e ela nunca havia conhecido esse tipo de sentimento que chega assim, de repente, avassalador. Sentimento grande, enorme.
Então ela olhou-o, ali mesmo do banco do passageiro. Ele não percebeu e continuou prestando atenção na estrada. Ela não entendeu e nem procurou entender o que sentia – àquele estranho ela já se entregava completamente, em pensamento. Ele que provavelmente nem a percebia ali. Então ela devorou-o com os olhos, e sentiu junto, tão junto, coesos como mar e céu. Desejou então viver pra sempre naquele momento, e desejou que a estrada fosse infinita.

Iolanda

Se um dia negasse que tinha sido, talvez não o fosse mais. Mas impossível negar quando o passado se agarra assim tão forte e tão incessante – seu passado não descansava. E já até acreditou que seria mesmo suficiente a ela mudar de ares, de cidade e até de nome, e então não seria mais a Iolanda dos dias de moça promíscuos, Iolanda dos vários homens, Iolanda moça fácil, da noite... Mas mal acabava de ser enterrada essa Iolanda, algum curioso ia lá e descobria tudo, e logo já se falava de novo da Iolanda rodada, Iolanda dos cabarés. E o que ninguém entendia dessa história era porque moça de posse, bem criada, elegante e viajada, ficava a se expor em vitrines, a dormir com tantos homens, fazer da noite o dia. E os homens todos logo se erguiam pra ver Iolanda mulher passar, de presença forte que ela era – mas Iolanda tinha idade de menina e não de mulher. Ela estava é perdida, mas não importava muito, já que nunca perguntavam como ela estava. Dizem por aí que Iolanda não se apaixona. A verdade é que uma vez Iolanda se apaixonou sim. Verdade seja dita inteira: já na época que se apaixonou, Iolanda não era exemplo de menina recatada, mas não que fosse promíscua – era é inconformada com a vida que as mulheres levavam e com os costumes de sua época, hipocrisia doída. E quando se apaixonou, Iolanda era jovem demais pra entender o amor de homem, já que só conhecia seu amor de conto de fadas, de criança, sem fim. E ele, tão mais velho, fez que gostava de Iolanda, e mesmo se não fingisse tão bem, a criança que ele usava nem perceberia, tão admirada que estava. E foi assim que ele tomou de Iolanda a juventude, a inocência – quebrou o coração de menina em tantos pedaços que Iolanda jamais tentou juntar. Ah, era tão grande o que Iolanda sentia, e ela de repente se viu tão exposta – e quando a bem freqüentada roda ficou sabendo de Iolanda, comentaram com tanto veneno e tanta maldade, crueldade que não se poderia usar contra uma criança. Eram ratos bem disfarçados, isso sim – e arrancaram de Iolanda o último sopro de alegria, de juventude. Se fosse para viver com ratos, ela preferia era estar com os ratos que não se escondiam atrás de mentiras e condescência. E já que todos têm sua máscara, Iolanda vestiu a sua e resolveu tampar a dor com o prazer. E foi nesse ponto de sua estrada que virou menina da noite, fugiu de casa buscando um lugar que até agora não encontrou. E fugia de si mesma com quaisquer substâncias que lhe aliviassem o peso – e tinham tantas. Seu corpo não era mais seu nem de mais ninguém, era assim sem dono, assim como o que tinha por dentro. Mas essa vida errante, nômade, já estava começando a cansar demais o pouco de força que Iolanda sempre achava, de um jeito ou, quase sempre, de outro. Resolveu deixar se apegar por uma cidade e ali ficar, tentar recomeço – e pareceu até se adaptar bem , camaleão que ela era. Mas sua sina era clara, pobre Iolanda.

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