quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Comédia da Vida Amorosa

Haviam se conhecido na década de 60, cheios de planos e com alguns trocados no bolso. Ele logo se apaixonara pelos olhos dela, de um azul infinito, que olhavam longe, como que se deixando perder de pouquinho em pouquinho. Ela abrira seu coração e vestido para aquele homem sem nome, gostava das coisas que ele falava. As mãos dele no cabelo dela eram algo como o vento acariciando o campo aberto – e ela o coração selvagem, arisco. E assim seguiram os primeiros anos e mais alguns, uma conquista diária. Mas ela era um espírito livre e o amor se fez uma gaiola. “Você me salvou”, ela disse, “mas eu jamais vou poder te salvar”. E ela voou.
Ele não entendeu o que ela dizia quando foi embora, afinal de contas foi ela quem o salvou, foi ela quem juntou seus pedaços de novo.
Os anos 60 já agora passado distante, mas ele os tinha perto, perto até demais – guardava consigo as lembranças do tempo que passara com ela, e a noite os acariciava como fósseis daquilo que um dia fora tão, tão vivo.
Chegou a conhecer algumas mulheres, mas nunca davam certo – não davam certo pois era ele que não entendia que o novo sempre chega, era ele que insistia em acreditar que ela voltaria, saltaria das páginas de seu passado e estaria ali, completamente a mesma.
Até que ele conheceu a outra, e percebeu que uma mudança lenta e inevitável começava a acontecer. De início não percebeu que a queria tanto – mas então o rosto dela começou a invadir seu sono, e ele se pegou falando as mesmas gírias, reclamando do mesmo filme que no fundo ele até gostara. Ah, e como era bom viver do presente, do fruto do hoje – para sua surpresa ela também o queria e já tinha tempo. Viveram então o seu próprio romance de Hollywood, brindaram e viajaram muito. A vida com ela era alegre – ela não falava das estrelas e nem cantava Janis Joplin como seu antigo amor fazia; falava de planos para o futuro, de festas e de pessoas. Era real, tinha seus pés no chão e a segurança de um rio que simplesmente vai.
Só que ele não era a noite, ele era o dia e sentia sono. E assim foi até que ele ficou cansado demais para acompanhá-la – e ela foi a procura de alguém com mais disposição e menos anos.
Ficou então com seu coração nas mãos e um vazio enorme em sua vida, e sem saber que rumo tomar decidiu é que iria esculachar! Queimaria seus planos e responsabilidades, seria da vida assim como os cães de rua o são, e seus pés lhe dariam o rumo certo. Passou a noite na praia, e não ousou se questionar o porquê. Morreria ali se fosse sua hora, e se não fosse não havia porque se preocupar.
Comprou a garrafa do vinho mais barato que achou, e a bebeu quase toda até onde se lembra. Acordou na casa de uma senhora de meia-idade, deitado ao lado dela que também estava nua. Assustou-se ao deparar-se com uma desconhecida em um quarto desconhecido, e sua reação foi a de levantar-se e ir embora, sem esgotar-se em tentar entender o que no fundo ele sabia ter acontecido. Então ela o olhou com os olhos de mendiga que implora, ela que ele nem havia percebido estar acordada. Ela o olhou velha, sozinha, espantalha, nua - e falava muito embora não por meio de palavras. E por um fugaz momento, que a redundância intensifica a fragilidade, ele quase entendeu que ela continha todas as suas mulheres, todos os nomes e que também ele estava nela.

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