sábado, 3 de julho de 2010

Espera

E como imaginar a vida sem ele? Não, não cabia. Viveria para quê? Agüentaria um dia após o outro sempre a mesma ausência, o mesmo inconsolo... Deixar que passassem os anos, esperar que lhe viessem as rugas, e que seu corpo congelasse a cada novo inverno que ainda teria pela frente? Não, não havia vida sem ele. Não suportaria ver a felicidade de suas irmãs e de todos os outros e que para ela desde tão cedo fora tornada inalcançável. O que seriam de suas tardes? Veria o pouco movimento da fazenda da janela de seu quarto, o dia-a-dia estático; veria tudo morrer esperando que também a ela viesse a morte.
Deslizou seus dedos mais uma vez pela lâmina fria do punhal, acariciou com ele o contorno de seu busto e pousou-o em seu pescoço. Ainda sentada na penteadeira, subiu os olhos ao espelho e analisou seu rosto uma última vez. Mas não, como podia ele a deixar sozinha? Não, ele não o faria, não esta noite. Pois ela estava bela como um anjo, ele com certeza viria admirá-la. Não importa em que mundo ele estivesse, daria um jeito de vir a este só para vê-la – homem nenhum deixaria uma moça de tanta beleza sozinha. Resolveu deixar o punhal de lado, devolvê-lo a gaveta... A espera pelo amado havia lhe dado alegria renovada. Sim, ele viria, agora ela tinha muita certeza. Chamou as irmãs ao redor da cama e disse a elas que prestassem atenção. Abriu portas então para um mundo de poesia e falava de paixão como nenhuma delas jamais ouvira ou lera. E no andar de seu discurso construíam-se amores infinitos, juras eternas e sentimentos que transpunham tempo e espaço. Falou de seu amor, morto na guerra, mas que a visitava em sonhos, pálido e ferido – disse que o via e o sentia, por pouco não o tocava. Chamaram-na louca. Ele estava morto, paixão tão grande assim não pode haver.

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