quinta-feira, 23 de julho de 2009

Menina das Histórias

Saiu correndo o mais rápido que pode. Fugiu. Mas era assim que sempre começava uma nova reconstrução – a partir da fuga. E essa era sua nuance de vício: o perder, o fugir e o ganhar e então o perder de novo. Poucos sabiam seu nome, chamavam-na de Menina das Histórias, pois ela contava muitas a respeito de uma tal de Cecília. Dizia que em Cecília havia encontrado o amor, sem ódio e sem peso, feito esse amor que vemos nos filmes. Mas Cecília havia morrido há um bom tempo – e levado consigo demais dela, deixando aqui apenas um pedaço e algumas lembranças. Mas porque fugia? Porque a perseguiam, e ora ou outra eles chegavam à verdade. Eles quem? Seus homens, seus ouvintes, a cidade... eles todos os outros. A Moça das Histórias não tardava a chamar a atenção deste ou daquele homem com aliança – quase sempre de ambos. E vivia seus casos, seus abraços, sem jamais se encontrar. Era já conhecida de todos os marinheiros do Rio de Janeiro... mas o mar a incomodava. As ondas que vinham lhe traziam de volta o passado distante, porém feliz. Traziam Cecília do fundo do oceano e então vinham as memórias de quando as duas deixavam pegadas lado a lado na areia e faziam mil planos – e não mais suportando essas lembranças a Menina das Histórias fugiu. Foi para a Rodoviária, acabou parando em Brasília. “No fim desses dias encontrar você que me sorri, que me abre os braços, que me abençoa e passa a mão na minha cara marcada, na minha cabeça confusa, que me olha no olho e me permite mergulhar no fundo quente da curva do teu ombro. Mergulho no cheiro que não defino, você me embala dentro dos seus braços e você me beija e você me aperta e você me aquieta repetindo que está tudo bem, tudo, tudo bem...” Cecília um dia lhe enviara esses versos, e sua companheira, sua amiga e amante, jamais deixara de ter essas palavras tatuadas em seu íntimo. Mas há muito tempo ninguém lhe falava que estava tudo bem. Chegando em Brasília, já bem longe do mar que lhe trazia lembranças, sentiu o Sol quente de Goiás sobre sua cabeça... viu o asfalto que fervia, o calor que desfocava sua visão. Decidiu que precisava rever Cecília, já haviam se passado tantos anos mesmo. Tirou sua roupa, deitou nua na rua incandescente para então se deitar com Cecília. E Cecília veio buscar a Menina das Histórias.

Um comentário:

  1. Nossa, isso me deu uma sensação nostálgica... Adorei o texto, principalmente o final, que deixou tudo com um impacto bem bacana. A idéia da Menina das Histórias ter se perdido ficou bem retratada no texto, mantém uma tensão, sei lá... Parabéns!

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